“(...) Hoje é também noite de Serenata. Bem antes das doze badaladas, as pequenas pedras da calçada sentem a marca dos milhares que se aproximam. Não nos esqueçamos do peso da capa. O manto negro sobre os ombros, colocado pela última vez ao som da guitarra para alguns e traçada pela primeira vez a outros, cobre a Sé velha com uma mancha negra de saudade. Uniformidade. Não só na cor, mas também no sentimento. Alguns, os principiantes, sentem a herança dos seus antepassados que carregam nas vestes e vêem, ao longe, os mais velhos nas escadas da despedida. Outros, com a capa já guardada nas fotografias, vêm ouvir o mesmo som do passado, com esperança na reviravolta da ampulheta do tempo. Uniformidade, repito, também no desejo de silêncio, para que se abram alas ao fado de Coimbra.
Passado o momento solene que marca o início dos 7 dias sem noite, larga-se o peso da capa e dá-se lugar à leveza da poeira. O chão do recinto é invadido pelos mesmos milhares que antes encheram o largo da Sé. Pluralidade. O recinto adapta-se a todos os gostos. O palco principal, o secundário e as tendas com vários tipos de batida conseguem satisfazer os desejos musicais de cada um. Pluralidade acima de tudo. O menos importante é o curso que se frequenta. No parque a festa é de todos, afinal, estamos prestes a ser convidados a actuar no maior palco de sempre: a vida. A poeira é levantada vezes sem conta, como se os nossos pés ganhassem vida própria e se quisessem eternizar no lugar.
Dos pés para as mãos e das mãos para a boca. O recinto também oferece comida. Presos às barraquinhas, os estudantes acumulam-se em filas de vontade: vontade de mais pão, de mais cerveja, de mais doces, de mais carne. Mais, sempre mais! Menos é dizer adeus antes do tempo.
Há sempre quem não saiba parar. A vontade de querer mais pode ultrapassar a capacidade do corpo. Na Queima das Fitas, o INEM não deseja que alguém saia queimado. Uma noite no hospital é o caminho certo para aqueles que fazem descarrilar o comboio da sobriedade. O comboio, o verdadeiro, vem cheio de pessoas de outras paragens, que esperam aproveitar a continuação do dia de Coimbra. Esses, os de fora, não o querem dizer, mas sabem que aqui o som toca mais alto e o espírito é mais forte.
Os pais, nesta altura, fazem um esforço suplementar: suportam as viagens, os excessos, os bilhetes e a poeira. Tudo pelo orgulho que sentem em ver os seus vestir a pesada capa. Mais orgulho sentem ainda os que vêem o desfraldar das fitas. Essas mesmas fitas assumem papel de destaque no nome da festa. Dentro da pasta, negra como a capa, figuram pedaços de tecido de várias cores, assinados por quem mais importa. Serão, mais tarde, engolidas pelo fogo, no desejo de início de uma nova etapa. Para avançar é necessário deixar para trás o melhor dos passados. Queimá-lo, aliás. Por que os momentos passam, mas as saudades ficam.”
Excerto da Reportagem de Rádio sobre a Queima das Fitas 2010
S.R. <3
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2 comentários:
"Mais, sempre mais! Menos é dizer adeus antes do tempo" :)
Espero que tenhas gostado :D Já que o meu professor de rádio achou o texto demasiado poético --'
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